Balão lançado da Arena Corinthians voa até Suzano após homenagem às vítimas do massacre
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Por Lucas Faraldo
O bairro de Itaquera e a cidade de Suzano, na Grande São Paulo, estão separados por aproximadamente 20 km. Uma bexiga com gás hélio lançada da Arena Corinthians aos ventos teria, num raio de 20 km, mais de 1,25 mil km² de área disponível para cair.
Em outras palavras: é improvável, no já raro caso de não estourar pelos ares, um balão partir de Itaquera e parar em Suzano. Não precisa ser matemático para constatar isso. Mas se for corinthiano... Aí parece que tudo ganha aquele mágico toque de "nada é impossível".
Na tarde do último domingo, antes de Corinthians e Oeste se enfrentarem na Arena pelo Campeonato Paulista, jogadores das duas equipes entraram em campo com balões pretos nos quais estavam estampados os nomes das vítimas do massacre de Suzano, que deixou dez mortos na semana passada num atentado na escola Professor Raul Brasil.
O gesto foi aplaudido pelos quase 40 mil torcedores presentes no estádio e findado com o lançamento dos balões ali de dentro do gramado. Eles partiram levados pelo vento...
No dia seguinte, Arlindo Dionizio, senhor de 62 anos de idade, fazia mais uma de suas rotineiras caminhadas matinais pelas ruas do Jardim Novo Colorado, bairro onde mora em Suzano, quando se deparou com um objeto diferente na calçada. "Era o balão! Achei emocionante. Só peguei porque eu vi a homenagem na hora do jogo. E daí reconheci. Peguei porque se eu só falasse que vi o balão ninguém acreditaria", contou, ao Meu Timão.
"Sou são-paulino, mas gosto de futebol, estava assistindo ao jogo do Corinthians. Daí percebi que era um balão parecido com a homenagem de Itaquera. Fui olhar se tinha o nome de alguém. Me aproximei e vi escrito Samuel", detalhou.
Samuel Melquíades Silva Oliveira, de 16 anos, foi um dos jovens assassinados. Ele era conhecido entre os amigos e parentes por ajudar o pai nas pregações da igreja Adventista do Sétimo Dia. "Eu só posso agradecer a Deus pelos 16 anos maravilhosos que concedeu tê-lo como filho", disse seu pai, Gercialdo Melquiades de Oliveira, ao G1, no dia seguinte à morte.
"Nos últimos dias via toda hora passando na televisão o nome de todos os alunos que foram vítimas. Quando vi Samuel no balão... Foi como se eu estivesse encontrando com o Samuel", contou Arlindo.
Sopro de Samuel
A trajetória aparentemente calculada para ao menos um daquelas dezenas de balões lançados na Arena Corinthians deixou Arlindo arrepiado. "O que eu acho emocionante é a distância, né? Soltaram lá de Itaquera e caiu a 1,5 km do cemitério onde o Samuel foi sepultado. É um negócio emocionante. Eu não acreditaria se contassem para mim", disse, sem saber ao certo como a bexiga foi parar ali, aos seus pés, naquela que seria só mais uma corridinha ao amanhecer.
"O Samuel era um suzanense apaixonado por Suzano e esse balão com o nome dele veio parar em Suzano para mostrar que ele está no coração de todo suzanense. Quando vimos na televisão a tragédia, não conhecíamos os alunos nem as professoras. Mas somos seres humanos, temos coração. A gente sente, né? Aconteceu com pessoas que não são da nossa família, mas ficamos chateados como se fosse. Querendo ou não somos todos irmãos".
Clubismo? Sai fora!
"Mesmo sendo são-paulino, achei uma homenagem emocionante. Tem aquele negócio de cada um torcer para seu time, mas achei a homenagem interessante, coisa de a gente até... Você entende? Se a gente não for forte de natureza, é coisa de fazer a gente chorar", explicou Arlindo, com a voz trêmula. "Nessas horas a gente tira rivalidade de times de lado. Eu tirei o chapéu para a homenagem que fizeram lá no Corinthians."
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Luto em Suzano
A escola Professor Raul Brasil reabriu suas portas para os professores na última segunda-feira, quando houve reuniões com especialistas da área de psicologia. Nesta terça-feira, alunos foram convidados, de forma opcional, a comparecer para conversar com os profissionais. Ainda não há previsão para o retorno das aulas.
"A cidade está triste. Minha filha passou em frente à escola ontem à noite. 'Pai, está a coisa mais chata a escola lá', disse pra mim. Viu um monte de camiseta, flores, desenhos e mensagens no muro. Eu evitei passar lá em frente à escola. Queria ter ido hoje cedo lá, falaram que teria uma missa. Mas nem fui porque se eu me aproximar muito acho que fica ainda mais triste pra gente", argumentou Arlindo.
Entrega do balão
Ainda nesta semana, Arlindo pretende entregar a Gercialdo, pai de Samuel, o balão corinthiano com o nome do filho. A irmã de uma ex-professora de Samuel está em contato com ele e com a família do garoto para viabilizar o encontro. "Ainda não deu para ir até a casa dele. Parece que está muito movimentado, muito triste. É muito triste", finalizou Arlindo.