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'Mulher com Aids' e marketing de suicídio
Walter Falceta

Walter Falceta Jr. é paulistano, jornalista, neto de Michelle Antonio Falcetta, pintor e músico do Bom Retiro que aderiu ao Time do Povo em 1910. É membro do Núcleo de Estudos do Corinthians (NECO).

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'Mulher com Aids' e marketing de suicídio

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Mulher com Aids e marketing de suicídio

Rosenberg: gafe e prejuízo à imagem do clube

Foto: Agência Corinthians

Por ofício profissional, passei os últimos vinte anos prestando serviços a profissionais das áreas de marketing, negócios e propaganda. Aqui na minha estante, há livros do "papa" Philip Kotler, do visionário Tom Peters, do pensador Malcolm Gladwell, de W. Chan Kim, de Renée Mauborgne, de Frank Luntz, de Steven D. Levitt e de Adam Grant.

No início desta noite, procurei rememorar essas leituras e determinar se havia ali algum conceito que justificasse as declarações de nosso diretor de marketing, Luis Paulo Rosenberg, à ESPN Brasil.

Juro: não encontrei.

Faz tempo que o marketing deixou ser apenas a arte de conquistar e manter clientes. Mais do que isso, é hoje concebido como um processo social, no qual companhias e instituições buscam identificar dinâmicas da mudança comportamental; novos padrões de demandas, declaradas ou latentes; bem como as inclinações do público consumidor para realizar trocas de valores.

O trabalho de marketing e de branding, portanto, trabalha justamente com a detecção dos fenômenos de transformação de percepções, mentalidades e desejos. É assim que as empresas reposicionam suas marcas. É assim que uma instituição renova sua imagem.

Quem avaliar propagandas de duas ou três décadas atrás, verá peças em que a mulher é apresentada como objeto, em que a diversidade afetiva é motivo de chiste, em que o target costuma ser o homem branco de classe média.

Ao longo da primeira década deste século, em particular, modificaram-se paradigmas. Os emergentes compuseram um novo quadro de interlocutores da mensagem comercial. O negro se tornou protagonista na publicidade, as mulheres foram reconhecidas no processo de empoderamento e a comunidade LGBT, aos poucos, ganhou respeito e consideração.

Evidentemente, há ainda um longo caminho na busca de uma abordagem civilizada dos públicos visados pelo mercado. No entanto, já sabemos claramente o que não dizer, o que não comparar e o que não estigmatizar.

Em razão da revolução digital, os interlocutores estão mais informados, educados e mobilizados. Em uma negociação, o cliente do varejo ou o CEO de uma megacorporação estão, portanto, vacinados contra o engano, a mentira e o preconceito.

Estendi-me no conceito para construir uma plataforma de análise da asneira pronunciada nesta quinta-feira pelo diretor de marketing do Corinthians, Luis Paulo Rosenberg, que se atreveu em uma analogia bizarra na tentativa de explicar as dificuldades na comercialização dos naming rights de nossa arena, em Itaquera.

Ele dissertava sobre o receio das empresas em investir no mercado brasileiro, mesmo em agremiações supostamente bem estruturadas. De repente, soltou esta pérola:

– O apelo da marca Corinthians é tão grande que temos quatro grandes grupos interessados em vir. É mais ou menos... Eles se sentem na situação de estar vendo a esposa perfeita, com dotes culinários, formada com MBA no exterior, uma mãe de filhos maravilhosos, mas parece que tem um teste de Aids (sic) positivo. Como é que eu encaixo a camisinha é o grande desafio.

Não é preciso convencer o caro leitor de que se trata de comparação bizarra, de uma referência grotesca a uma moléstia grave e de um evidente desrespeito às mulheres, objetificadas e alçadas, neste caso, à categoria de mercadoria com defeito.

É bem provável que os naming rights não sejam vendidos justamente em razão de declarações extravagantes como essa. Marketing não é somente propaganda. É conduta, é conjunto de princípios, é imagem que traduz personalidade e caráter.

Não faz muito tempo, acertamos ao inspirar a torcida com o "respeita as minas". Pouco depois, no entanto, pisamos na bola quando a diretoria esteve a ponto de contratar um espancador de mulheres. Não fosse a reação nas redes sociais, a diretoria teria concluído este negócio tóxico.

Dias atrás, o mesmo departamento trabalhou de maneira muito correta a tradição do corinthianismo, de fé, de garra, de resistência, de resiliência e de solidariedade. Mas se atrapalhou ao tentar identificá-lo como uma religião.

Ganhou, pois, a antipatia de parte considerável do público consumidor, especialmente os evangélicos, ao trocar o envelope da antropologia por aquele da teologia.

A fala de Rosenberg, nesta quinta-feira, revela muito da atual gestão do presidente Andrés Sanchez. O reconhecimento das melhores tradições corinthianas, frequentemente, se anula em contradições conceituais, equívocos de abordagem e gafes imperdoáveis.

A "mulher com dotes culinários, mas com Aids" merece converter-se em um "case" acadêmico de marketing de suicídio. Que Rosenberg se policie, que retome a lucidez e represente com mais elegância e competência os interesses de nosso clube.

Veja mais em: Ações de marketing, Diretoria do Corinthians e Naming Rights.

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.

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Por Walter Falceta

Walter Falceta Jr. é paulistano, jornalista, neto de Michelle Antonio Falcetta, pintor e músico do Bom Retiro que aderiu ao Time do Povo em 1910. É membro do Núcleo de Estudos do Corinthians (NECO).

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