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A polêmica sobre as torcedoras e a polícia: o caso de domingo
Walter Falceta

Walter Falceta Jr. é paulistano, jornalista, neto de Michelle Antonio Falcetta, pintor e músico do Bom Retiro que aderiu ao Time do Povo em 1910. É membro do Núcleo de Estudos do Corinthians (NECO).

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A polêmica sobre as torcedoras e a polícia: o caso de domingo

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Opinião de Walter Falceta

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A polêmica sobre as torcedoras e a polícia: o caso de domingo

O conflito: como patrocinar uma cultura de paz

Foto: Marcos Moreno

Quero começar mandando um abração para os leitores que reclamam de minhas ausências na coluna. É o tempo escasso, galera. O corre de todos os dias para ganhar a vida. Tentarei estar mais presente neste espaço. Prometo!

Gostaria agora de chamar você para um papo reto. Para uma reflexão sobre o que ocorreu com a Liliane e a Malu, neste domingo de jogo, na Arena Corinthians.

Já era madrugada quando cheguei ao EPML de Artur Alvim, na Leste, não muito longe do estádio. Fui ao encontro da torcedora corinthiana Liliane e de seu marido, Marcos, dois fieis que eu ainda não conhecia pessoalmente.

Como eles estavam? Emocionalmente muito abalados pelas horas e horas vividas em uma treta policial. Chateados, cansados e tristes por não terem assistido à vitória do nosso Coringão sobre o Sport.

Levei-os para casa e procurei, sobretudo, ouvi-los. Caraca, meu, quando alguém tem problemas, ouça! É a melhor atitude que você pode tomar.

No caso do Corinthians, é assim que a gente se acostumou a agir. Tem um irmão ou irmã precisando? Vai lá, estende a mão, ajuda. Foi isso que os heróis fundadores nos ensinaram, lá em 1910.

O que posso dizer sobre o casal? São gente boa, decente, trabalhadora, que jamais provocaria confusão ou desordem. A gente sabe disso, pela biografia deles, e pelo modo civilizado como tratam das coisas da vida, até as mais espinhosas.

Tenho minha opinião pessoal sobre o que ocorreu na Arena Corinthians. Você pode concordar ou discordar. Mas vamos travar o bom diálogo, com educação, combinado?

Primeiramente, eu quero fazer uma saudação aos milhares de bons policiais brasileiros, que arriscam a vida para prover segurança à sociedade.

Muitas famílias brasileiras não têm o pai ou mãe. Eram policiais que foram mortos no cumprimento do dever. Os Direitos Humanos incluem a atenção a todas as pessoas, inclusive aos agentes da lei.

Eu quero um país melhor para mim e para os meus filhos. E também para você e para seus entes queridos. Neste lugar, a polícia mata menos e morre menos.

Neste lugar, os policiais estão bem aparelhados, recebem um salário melhor e contam com um aparato de inteligência estratégica para deter a ação dos criminosos.

Mas eu penso também - e você pode discordar - que a preparação do policial deve mudar. O sistema militarizado vigente, velho e ultrapassado, produziu danos à sociedade e também aos próprios agentes da lei.

Esses eventos tristes ocorrem há muito tempo. Sim, melhorou, um pouco, em relação aos anos 70, quando comecei a frequentar o estádios (meu primeiro jogo foi o 4 a 3 contra os palestrinos, em 1971).

Mas é preciso muito mais para se criar uma cultura de paz no futebol.

A Liliane, torcedora do Corinthians, tinha dentro da bolsa um adesivo (desses de colocar no carro) de um político brasileiro, além de uma pequena bandeira.

Obviamente, ela não foi ao estádio, com o marido, para fazer comício ou arranjar confusão. Os itens claramente não representavam ameaça à ordem.

Agora falo da Maria Luiza, uma mulher valente que luta contra uma doença grave, dentista, torcedora do Sport, que eu também conheci após os incidentes. Ela tinha uma pedaço de papelão com a foto de um político, também na bolsa.

Nada leva a pensar que ela fosse utilizar esse impresso simplório, tipo máscara de festa de aniversário, para atentar contra alguém ou para promover danos à nossa arena. Como dizem seus amigos, Malu é sempre de boas, tranquila e foge de briga.

Portanto, muito barulho por pouco perigo. Eu li com carinho o Estatuto do Torcedor, e não encontrei ali razão para esse estardalhaço. Esses itens não promoviam ofensa, tampouco propagavam teses racistas ou de xenofobia.

Eu entendo o estresse dos policiais, especialmente em estádios de futebol, onde muitas vezes são obrigados a lidar com torcedores de comportamento questionável.

No entanto, é necessária uma formação de acolhida que elimine esse tipo de conflito. Melhor para os profissionais da farda, melhor para o povão que vai curtir o futebol. Concorda?

É preciso bom senso. E o torcedor, que paga por todo esse espetáculo, precisa ser tratado com muito respeito e, sim, carinho. Porque violência gera violência; gentileza gera gentileza. No fundo, você sabe que é assim.

É triste quando a gente lê o Meu Timão e vê torcedores comemorando a infelicidade das torcedoras, satisfeitos por verem o desconforto de duas mulheres com preferências políticas diferentes das suas.

Eu sinto vergonha! Sério mesmo! Não foi isso que plantaram aqueles cidadãos notáveis e solidários que fundaram nosso clube sob a luz tênue de um lampião, naquele distante primeiro dia de setembro.

O Corinthians é a união na diversidade, na maravilhosa fusão cultural que é o nosso país, lugar de todas as etnias, de todas as culturas, de convergência generosa entre pessoas diferentes.

Eu não vou esconder de você. Não concordo nadinha com as teses do candidato Bolsonaro. Mas jamais ficaria feliz de ver duas de suas seguidoras vivendo os constrangimentos que abalaram a professora Liliane e a dentista Malu.

A Democracia Corinthiana, do Doutor Sócrates, nos ensina a tolerância, a empatia, a projeção nas alegrias e dores do outro. Por que não podemos seguir essa lição?

Não podemos reproduzir no ambiente do estádio o clima de ódio e intolerância que se instaurou na nossa sociedade. Respeita as mina, pô! Respeita as diferenças! Abraça teu irmão de bancada, seja ele branco, negro, japa, índio, gringo, judeu, espírita, católico, evangélico, operário, empreendedor, eleitor do Ciro ou admirador do Alckmin.

Isso é Corinthians! Um clube progressista, que considera o direito de todos e que cresceu justamente por patrocinar os abraços na diversidade.

Meu avô, que abraçou o Timão nos primeiros dias, lá na época do Lenheiro, contava uma historinha.

Era de um treino no campo da Ponte Grande. Chega timidamente um japonês que tinha ido descarregar frutas no Mercadão, e agora tirava umas horinhas de folga.

Ele fica meio escondido, vendo o rachão. Parece assustado de estar ali. Na bancada, tem um negão descascando uma laranja, lentamente. Quando termina, ele corta ela no meio, pega uma metade e diz: "sobe aí, japonês, toma essa laranja que tá docinha, docinha".

Sabe, amigo, quando eu lembro dessa narrativa, eu até choro. Porque esse é o nosso espírito. Sacou? Foi o que fez o Timão gigante.

Como canta o Lenine, que é torcedor do Sport: "a gente espera do mundo e o mundo espera de nós; um pouco mais de paciência".

A a gente fica ainda com o aviso de Criolo, que é corinthiano, e que lamenta porque "não existe amor em SP". Fechamos com os versos: "encontro tuas nuvens em cada escombro em cada esquina, me dê um gole de vida".

Obrigado, um abraço fraterno e "vai, Corinthians"!

Veja mais em: Torcida do Corinthians e Arena Corinthians.

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.

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Por Walter Falceta

Walter Falceta Jr. é paulistano, jornalista, neto de Michelle Antonio Falcetta, pintor e músico do Bom Retiro que aderiu ao Time do Povo em 1910. É membro do Núcleo de Estudos do Corinthians (NECO).

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