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Um ministro anticorinthiano e sua reforma anticorinthiana
Victor Farinelli

Victor Farinelli é um jornalista brasileiro e corinthiano residente no Chile, colabora como correspondente de meios brasileiros como Opera Mundi, Carta Capital, Revista Fórum e Carta Maior.

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Um ministro anticorinthiano e sua reforma anticorinthiana

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Um ministro anticorinthiano e sua reforma anticorinthiana

Paulo Guedes dominou o noticiário deste domingo ao falar do Corinthians

Foto: Divulgação

A “brincadeira” do flamenguista Paulo Guedes (o superministro da Economia do governo do palmeirense Jair Bolsonaro), fazendo alusão a supostos “pênaltis roubados a favor do Corinthians em Itaquera”, e batendo na tecla de que a Arena foi “presente” do Lula, é a típica declaração ignorante do anticorinthiano pra não reconhecer os méritos do Coringão, se baseando em um conceito qualquer que nem precisa ter nenhuma sustentação. Basta fisgar uma penca de fanáticos e irracionais odiadores do nosso clube (muitos deles ressentidos pelas frequentes derrotas contra nós) pra que a mentira funcione sem maiores explicações, como foi o caso desta vez.

Aliás, e diferente do bolsonarismo e seu caráter dogmático, esse ressentimento anticorinthiano escudado em mentiras é ideologicamente transversal. Eu, por exemplo, tenho não poucos amigos antis (palmeirenses, são-paulinos e santistas em sua maioria) que são de esquerda e que também insistem nessa balela de que a Arena foi “dada” pelo Lula, e todos eles, de direita e esquerda, sabem que é mentira e que o clube terá anos de dívidas pela frente pra pagar. Mas não importa, é muito mais confortável manter a versão cínica de que recebemos uma “doação” a qual estamos pagando em milionárias prestações do que aceitar a verdade de que o Corinthians construiu o seu estádio de forma honesta e sem nenhum prejuízo ao Estado.

Mas, voltando ao senso de humor elitista do ministro, às vezes as palavras e “brincadeiras” revelam muito mais sobre o caráter de uma pessoa do que ela gostaria. No caso de Guedes, não é a primeira vez que ele faz “piadas” com símbolos que se identificam com a população brasileira mais pobre, como é o caso do Corinthians. Suas metáforas costumam martelar pejorativamente na mais classista das ladainhas neoliberais, a de que aqueles que dependem dos programas sociais pra sobreviver sugam o Estado e que este só pode ser mais eficiente se os abandona.

Por isso, suas medidas de ajuste começam por esses programas dedicados aos mais vulneráveis, que custam milhões ao Estado, e não pelos privilégios, isenções e políticas destinadas a favorecer os empresários e as elites, que consomem bilhões ou (em alguns casos) até trilhões dos cofres públicos – como os juros da dívida pública, que Guedes não pretende tocar, porque assim favorece os banqueiros como ele.

Também não é um acaso que seu projeto estrela seja uma reforma da Previdência que visa precarizar o direito à aposentadoria dos mais pobres, sejam eles corinthianos ou não. A reforma afetará a vida milhões dos nossos, especialmente trabalhadores que vivem do salário suado, ou pequenos comerciantes e prestadores de serviços. Pessoas que são Coringão e que sofrem pra chegar ao fim do mês, e que agora chegarão ao fim da vida também no sufoco. É nesse sentido que se torna um projeto anticorinthiano, embora também seja anti qualquer outro torcedor pobre e assalariado.

Tudo isso pra entregar um mercado trilhardário nas mãos das grandes empresas financeiras que vão oferecer seus serviços de previdência privada – o que poderia incluir a mecenas do nosso maior rival, e também o banco que nos patrocina atualmente.

No Chile, onde eu vivo – e onde Guedes desfrutou o “paraíso” da ditadura de Pinochet, provavelmente vivendo em Las Condes ou Vitacura, sem quase nunca passar por regiões como San Miguel, Puente Alto, Conchalí, Cerro Navia, La Victoria, Pudahuel (neste caso, só pra pegar o avião e sumir), La Legua, etc, só pra ficar nos bolsões de pobreza de Santiago –, o modelo que ele pretende emular no Brasil criou uma crise tamanha que destruiu a segurança financeira de dezenas de milhares de idosos, muitos dos quais preferem se suicidar a ter que viver com os valores ridículos das aposentadorias e pensões deixadas pelo sistema. Neste momento, o atual presidente chileno (Sebastián Piñera), que é irmão do desenhador do sistema (José Piñera, amigo de Guedes) e também mega especulador – portanto, atuando também em causa própria, não somente a favor do lobby das empresas financeiras –, tenta desesperadamente aprovar uma reforma pra dar uma sobrevida a um sistema que a maioria dos chilenos odeia com a mesma força que o ministro Guedes odeia o Coringão, e que já motivou multitudinárias marchas de protesto em todo o país, nos últimos anos.

O argumento de que o sistema de previdência privada foi um sucesso no Chile, usado por Guedes e Bolsonaro, é tão falso e carente de provas quanto a piada anticorinthiana do ministro, alegando supostos pênaltis a favor do Corinthians em Itaquera. Buscando rapidamente na memória, eu me lembro de pelo menos dois exemplos bem conhecidos em que a arbitragem nos prejudicou em Itaquera: a expulsão do Gabriel no Derby do Centenário, quando o juiz favoreceu o time do Bolsonaro dando vermelho pra um jogador que nem participou do lance, e o gol anulado do Pedrinho na final da última Copa do Brasil, quando até o árbitro de vídeo atuou pra dar uma falta inexistente no lance anterior e invalidar uma jogada que teria mudado o rumo da decisão. Tivemos vários pênaltis a favor e contra nós nestes cinco anos de estádio próprio, e provavelmente alguns, tanto pro quanto contra, foram equivocados, mas isso não comprova tendência nenhuma a favor de nada – a não ser que Guedes tenha um daqueles DVDs ao estilo colorado, poderíamos chamar ele de Paulinho do DVD se for o caso.

Curiosamente, o próprio Guedes está sendo investigado pelo Ministério Público por fraudes de 1 bilhão em fundos de pensão, o que seria mais ou menos como dar vários pênaltis a favor de si mesmo e sem ninguém perceber, pra faturar uma grana alta. Não é estranho, por seu projeto de reforma da Previdência busca justamente permitir que as empresas do setor financeiro possam marcar todos os pênaltis que quiserem a seu favor, e contra a aposentadoria dos trabalhadores.

Assim como anticorinthianismo vive de mentiras como essa do “apito amigo”, o bolsonarismo e suas reformas também se sustentam em falsos argumentos instalados como verdade que importa aos que querem fazer negócio a partir das políticas públicas. E não me refiro somente à já mencionada previdência chilena, mas também ao mito de que a nossa Previdência está quebrada, ou que essa suposta crise previdenciária é culpa dos “privilégios” dos mais pobres. Não é por acaso que a reforma da dupla Guedes/Bolsonaro não toca nos reais privilégios que o nosso sistema garante, por exemplo aos políticos, aos militares de alta patente e aos juízes, e nem cogita cobrar a trilionária dívida das megaempresas dos amigos do ministro, algo que se acontecesse obteria dez vezes mais recursos que o seu projeto.

Não sei se existe algum interesse oculto do Paulo Guedes em ser tão babaca quanto um Milton Neves ou um Flávio Prado, mas o fato é que no fundo ele atua mais em causa própria do que os árbitros que ele insinua que comprometem os jogos em Itaquera. Afinal, depois que sair do Ministério, ele voltará a dedicar-se exclusivamente ao banco, para aproveitar as vantagens que seu novo sistema pretende criar pro seu próprio setor.

Aliás, convenhamos que sua declaração sobre a origem da Arena também vai nesse sentido. O incômodo de gente como o Guedes com respeito ao nosso estádio é puramente ideológico e de interesses setoriais. Como neoliberal fundamentalista, mas sobretudo como banqueiro, ele não suporta ver uma obra ser construída com empréstimos de um banco público, com recursos que serão devolvidos a juros mais dentro da realidade e não extorsivos, e sem nenhuma empresa do mercado financeiro lucrando pesadamente em cima do negócio, como foi o caso de outros estádios que existem por aí.

Bom seria se os corinthianos – e especialmente a maioria da nossa torcida, que é assalariada e sacrificada, que já é a que mais sofre com a crise econômica no país e ainda será o alvo principal desse projeto desastroso que o governo apresentou – acordassem a partir dessas declarações, e percebessem que este sujeito não está só ofendendo a nossa paixão. Também está conspirando contra a nossa aposentadoria, o nosso futuro e o dos nossos filhos e netos, usando as mesmas artimanhas da pós-verdade.

Talvez não seja possível sangue no olho nem tapa na orelha, mas a Fiel certamente conhece muitas formas de ensinar o presidente palmeirense e seu ministro flamenguista a respeitarem o Corinthians e sua torcida. E a respeitar a nossa aposentadoria, que também é o jogo da vida, e que portanto não é brincadeira.

Veja mais em: Arena Corinthians e Torcida do Corinthians.

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.

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Victor Farinelli é um jornalista brasileiro e corinthiano residente no Chile, colabora como correspondente de meios brasileiros como Opera Mundi, Carta Capital, Revista Fórum e Carta Maior.

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